Documento coletivo sobre os riscos de retomada das aulas presenciais

O documento coletivo abaixo tem como objetivo alertar à comunidade escolar e às diferentes instâncias do poder público sobre todos os fatores de risco que envolvem a retomada das atividades presenciais em nossa escola. Além disso, solicitamos uma resposta oficial a todos os problemas relatados.

Como determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996) em seu artigo 15, a participação da comunidade escolar nas decisões sobre questões pedagógicas, administrativas e financeiras, tendo sua autonomia resguardada, é de fundamental importância no desenvolvimento da educação e na democratização dos espaços escolares. Num momento de crise como o que vivemos – em que à própria garantia da vida de todos aqueles que participam do cotidiano escolar é discutida e avaliada pelas diferentes instâncias do Estado – essa diretriz se tornou ainda mais urgente e necessária. Nesse sentido, é imperativo que a comunidade escolar tome parte nas questões coletivas que então se apresentam.

 Controle da pandemia

Os documentos divulgados por diferentes instituições de saúde pública, no Brasil e no mundo, destacam todos os riscos que envolvem uma reabertura precoce das escolas durante a pandemia

. Risco de perda de controle da pandemia. Segundo os cálculos realizados pela FIOCRUZ, a reabertura dos estabelecimentos de ensino na cidade do Rio de Janeiro colocaria mais de um milhão de pessoas em circulação, comprometendo os índices de isolamento social necessários para o controle da pandemia.

. Ausência de ampla política de testagem e rastreamento da COVID-19. Até agora não se colocou em prática por nenhuma das esferas de governo uma política eficiente de testagem e rastreamento do vírus na população. O rastreamento é um dos protocolos de saúde mais básicos para que se possa controlar a epidemia. A OMS orienta rastrear pelo menos 80% dos novos casos e colocá-los em quarentena em até 72 horas. Sem uma política como essa, retomar as atividades escolares é colocar em risco todas as pessoas que passarão a estar expostas à circulação do vírus, assim como seus familiares e a sociedade como um todo.

. Necessidade de uma baixa taxa de contágio. Apesar da diminuição da taxa de contágio na cidade do Rio de Janeiro que vem sendo registrada nas últimas semanas, as orientações dadas pela FIOCRUZ indicam que uma flexibilização só deve ser planejada quando a taxa de contágio estiver menor que 0,5 (R), o que ainda não ocorreu.

. Segundo a OMS, apesar de crianças, adolescentes e jovens serem em sua maioria assintomáticos ou apresentarem um quadro leve ou moderado da doença, funcionam como vetores da pandemia, tendo potencial para transmitir a COVID-19 nos diferentes espaços em que circulam, podendo colocar em risco – numa situação de reabertura das escolas – os seus familiares e a sociedade em geral, em especial aqueles que pertencem ao grupo de risco da doença.

. Distribuição desigual da COVID-19 no Rio de Janeiro. Segundo a FIOCRUZ, há uma distribuição desigual da pandemia na cidade do Rio de Janeiro, com maior incidência de contaminação e mortalidade nos bairros periféricos, justamente nos locais que contam com uma cobertura inadequada do sistema público de saúde e que historicamente mais dependem das escolas públicas.

. Cobertura de saúde e disponibilidade de leitos de UTI. A precariedade de muitas unidades do sistema público de saúde (com carência de testes, medicamentos, atendimentos emergenciais e leitos de UTI) é outro fator de que aumenta os riscos de qualquer política de flexibilização nas condições atuais, atingindo, principalmente, a parcela da população que mais depende dele.

Condições da escola

Nas últimas semanas as instituições de saúde pública têm igualmente apontado uma série de condições estruturais de controle da doença nos espaços escolares que, se ignoradas, tornam problemáticas e potencialmente fatais qualquer iniciativa de reabertura das escolas no momento atual.

Essa situação, porém, se agravou consideravelmente no momento atual. Estamos abrigados em uma escola que funciona em prédio de cinco andares, sem ventilação, corredores estreitos, mais de trinta salas de aula, espaços de uso comum (como corredores, halls dos andares, pátio, banheiros, refeitório, sala dos professores), além dos gabinetes para os setores pedagógicos, coordenação, direção, sala dos professores; por onde passam quase dois mil alunos quase todos os dias. Essas características, observadas em conjunto, impõe um grande risco à permanência e à circulação de pessoas no prédio. Nas condições atuais, não é possível garantir higienização adequada.

Controle na entrada. Como todas as unidades escolares da rede estadual do Rio de Janeiro, não contamos com porteiros. Nossa escola ainda tem o agravante de não contar atualmente com nenhum inspetor. Ao longo dos últimos anos reivindicamos inúmeras vezes a urgência na contratação desses profissionais através de abaixo-assinados, cartas e denúncias às instâncias da Secretaria de Educação (SEEDUC) e ao Ministério Público, inclusive, relatando episódios que ofereceram risco à segurança de profissionais e alunos ocorridos no interior da escola. No momento atual, essa necessidade se tornou ainda mais premente. A FIOCRUZ indica protocolos rigorosos de higienização na entrada dos estabelecimentos (limpeza das mãos, calçados, aferição de temperatura corporal), o que demanda contratação imediata de pessoal, materiais adequados, verba específica para isso e organização.

Plano de sanitização diária. Como indicam as instituições da área da saúde, além da limpeza contínua dos ambientes e objetos expostos, uma desinfecção eficiente deve conter um plano de sanitização diária dos estabelecimentos, devendo uma parcela do dia ser dedicada inteiramente a esta tarefa.

Garantia de distanciamento. A estrutura de nossa escola impõe sérios riscos à contaminação pela COVID-19. Contamos com um único caminho de entrada através das escadas, corredores estreitos, sem ventilação e salas de aula sem janelas – ambientes fechados onde não podemos contar com o distanciamento de 2 metros que é indicado pelas instituições de saúde. A área externa (quadra, ginásio, pátio e estacionamento), por sua vez, é um espaço de difícil controle pelo seu tamanho e pela baixa estatura do muro lateral, causando normalmente aglomeração de alunos e até mesmo a entrada de pessoas estranhas à escola. Outro fator de grande risco é o refeitório, que permanece superlotado diariamente e com enormes filas. Sem uma reforma na estrutura da escola, o retorno das atividades presenciais é inviável.

Uso de máscaras e EPIs. Como as instituições da área de saúde têm indicado, a utilização de máscaras e EPIs é uma condição fundamental para conter a propagação do vírus. As máscaras devem ser trocadas pelo menos de duas em duas horas. Apesar desse parecer, a Secretaria de Educação (SEEDUC) tem declarado que não vai garantir máscaras e EPIs para profissionais e estudantes e que não há verba para isso. Apresentar uma data de retorno sem equipamentos de segurança mínimos para o controle da disseminação do vírus, jogando essa responsabilidade para cada um individualmente, é colocar em risco a vida de todos nós e permitir a propagação da COVID-19.

Oferta de água e banheiros. Em nossa escola temos um histórico de dificuldades no fornecimento de água e nos banheiros. Os bebedouros a jato devem ser trocados, pois são impróprios para serem usados durante a pandemia, servindo de foco para a disseminação da COVID-19. Já os banheiros dos andares não funcionam de forma adequada durante a maior parte do ano letivo, obrigando alunos e professores a se deslocarem ao segundo andar ou até a área externa do prédio. Uma situação como essa aumenta consideravelmente a circulação e a concentração de pessoas. No entanto, devemos lembrar que, mesmo se tivéssemos todos os banheiros funcionando de forma adequada, o simples compartilhamento de espaços fechados nessas circunstâncias impõe um risco considerável à saúde dos usuários.

Transporte público. Uma característica de nossa escola é que temos relativamente poucos alunos residentes no entorno. Temos uma grande quantidade de alunos que vem de bairros mais distantes e que dependem do transporte público para chegar até o colégio. Essa é uma situação potencialmente perigosa devido às péssimas condições dos transportes públicos existentes na cidade, já que a grande maioria tem funcionado sem garantias mínimas de segurança, como ventilação e distanciamento social.

Grupos de risco. Atualmente temos uma grande quantidade de profissionais idosos e/ou no grupo de risco da COVID-19 lotados em nossa escola. Grande parte dos professores e funcionários se encontram nessa situação. Em relação aos alunos, o histórico observado é o de viverem com muitos familiares num mesmo domicílio, com poucos cômodos, situação potencialmente perigosa para a disseminação da doença.

Parceria com as instituições de saúde. É preciso seguir as orientações dadas pelas instituições de saúde pública na avaliação da realidade escolar durante a pandemia. No estado do Rio de Janeiro, o governo estabeleceu uma data de reabertura das escolas sem que estivéssemos em uma situação de bandeira verde ou houvesse uma alteração radical no quadro da doença. Passar por cima das orientações que estão sendo dadas pelas instituições da área de saúde e antecipar o calendário de reabertura das escolas sem uma alteração substancial no quadro de saúde pública do estado, é colocar em risco a vida de profissionais, estudantes, seus familiares e a sociedade como um todo.

Conclusões

Os fatores elencados acima nos levam a duas conclusões: 1) quase a totalidade dos fatos abordados indicam que o retorno às aulas presenciais não pode ocorrer agora, sendo extremamente arriscado e precipitado; 2) é necessário seguir rigorosamente os protocolos estabelecidos pela FIOCRUZ e outras instituições de saúde que têm avaliado a realidade escolar e os impactos da reabertura das escolas na pandemia. Gostaríamos de alertar que os fatores apresentados representam um grave risco à garantia da saúde e da vida de professores, funcionários, estudantes, seus familiares, bem como da sociedade em geral – direitos fundamentais presentes na Constituição Federal de 1988. Qualquer perda ou dano que venham a ocorrer num contexto como esse será considerada como uma violação direta desses direitos e, sem dúvida, representaria uma derrota de toda a comunidade escolar. O que para uns são números, para nós são vidas. Sendo assim, solicitamos uma resposta oficial a todos os questionamentos expostos.

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